Valor acrescentado
Do interesse da Farmácia Jordão Pedrosa sobre a comunidade, nasceu um projeto de literacia em saúde, que mobilizou uma Unidade de Cuidados na Comunidade e a Câmara Municipal da Moita.
Texto de Teresa Oliveira | WL Partners
O projeto Trazer + Saúde ao Vale nasceu de um olhar atento da Farmácia Jordão Pedrosa sobre a realidade do Vale da Amoreira, concelho da Moita, onde está localizada. No início de 2019, após a mudança de gestão da farmácia, a nova equipa decidiu analisar os padrões de dispensa e consumo de medicamentos feito pela população do Vale, com os resultados a revelarem um nível de literacia em saúde baixo e pouco recurso a medidas de prevenção. «As pessoas, quando procuram cuidados, fazem-no já numa fase adiantada da doença, o que também é visível pelos medicamentos que dispensamos», descreve Dulce Fonseca, diretora-técnica e coproprietária desta farmácia.
Do diagnóstico realizado surgiu a ideia de criar um programa para a promoção do conhecimento em saúde. «Pensámos numa intervenção que acrescentasse valor e, por isso, o nome do projeto é Trazer + Saúde ao Vale», explica a farmacêutica. «O nosso objetivo», refere, «é alertar para os fatores preditores de doença e para sinais que levem a população a procurar cuidados médicos numa fase mais precoce».
Para avançar com a ideia — e face ao exíguo espaço da farmácia — contactou a Biblioteca Bruno Vieira Amaral, a menos de 100 metros de distância, para ali realizar as sessões. Além de encontrar acolhimento à sua proposta, foi posta em contacto com as enfermeiras Mafalda Rosa e Clara Saramago, da Unidade de Cuidados na Comunidade Saúde na Rua (UCCSR). A Unidade já intervinha no território e partilhava o diagnóstico da Farmácia Jordão Pedrosa, nomeadamente decorrente do seu trabalho «com múltiplos parceiros, como câmaras, juntas, lares, centros de dia, escolas, polícias», recorda Mafalda Rosa, a coordenadora da UCCSR.
A pandemia de COVID-19 veio interromper este projeto, já com sessões de literacia em saúde realizadas na biblioteca, o qual regressaria em 2022, com mais força e com o apoio institucional da Câmara Municipal da Moita. Além de disponibilizar o auditório da biblioteca para as sessões, contribui ainda para a sua divulgação e garante um acompanhamento contínuo, numa articulação tripartida com a Farmácia Jordão Pedrosa e a UCCSR quanto aos temas a abordar. A vereadora com o pelouro do Serviço da Promoção da Saúde, Anabela Rosa, afirma que «foi com muita satisfação que dissemos logo que sim. O projeto beneficiava do know-how da farmácia e da UCCSR e respondia a problemas específicos da população do Vale da Amoreira. Temos tido um feedback muito positivo e gostaríamos até que fosse replicado».
As sessões, realizadas mensalmente e suspensas apenas nos meses de verão, têm sido diversificadas: gripe e patologias de inverno, acesso dos migrantes à saúde, asma e alergias, doenças cardiovasculares, diabetes, alimentação saudável, proteção solar, doenças da mama, saúde sexual e reprodutiva, segurança em casa, entre muitos outros tópicos. Por vezes contam com convidados para abordar os temas, como técnicos do município, entidades do SNS ou organizações que trabalham na área da saúde. Para a enfermeira Clara Saramago, que com Dulce Fonseca dinamiza os encontros, esta diversidade ajuda a chegar a públicos diferentes. «Apesar de a maioria dos participantes ser sénior, também temos muitos utentes em idade jovem, com filhos pequenos». Para aumentar o alcance do programa, existe a ideia de criar um podcast, quase um resumo destas sessões, para que os habitantes do Vale da Amoreira possam ter acesso ao projeto de educação para a saúde em horários que lhes sejam mais convenientes.
A componente educativa é central, mas o projeto vai além disso. Muitas vezes, uma queixa durante uma sessão ou partilhada na farmácia abre caminho a uma intervenção imediata. «Houve uma situação em que a Dra. Dulce me contactou sobre uma avó com um problema com a neta», relata Clara Saramago. Seguiu-se um rápido encaminhamento, logo resolvido com a respetiva equipa médica, exemplo que revela como a rede que este projeto reforçou se traduz em respostas concretas.
O projeto tem igualmente abordado realidades específicas do território, como a elevada diversidade cultural e mobilidade populacional. Na escola secundária, ao lado da farmácia, estudam alunos de 65 nacionalidades. «Para um território tão pequeno, é bastante impressionante», comenta Dulce Fonseca. Para dar resposta a esta realidade, a sessão “Acesso dos migrantes à saúde”, com a participação do município e do Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), deu formação a profissionais de saúde sobre os direitos e deveres dos migrantes nesta área e esclareceu dúvidas sobre o atendimento a estes utentes. «Para nós é um despertar para as culturas que contactam com a farmácia e que também nos fazem pensar. Somos uma farmácia só de mulheres, mas há muitas culturas em as esposas ficam em casa e que são os homens que vêm à farmácia. Como nos relacionamos com eles? Há toda uma série de questões comunicacionais que para nós são interessantes», afirma a farmacêutica.
A pertinência e bom acolhimento do projeto transparece no testemunho de uma participante, Florência Santos, frequentadora assídua desde 2020. «É muito interessante: houve coisas que relembrei da escola, outras que não sabia e que aprendi», relata. «Tenho vontade de ir, de aprender, e de ouvir também a opinião das outras pessoas. Foi uma boa ideia e deve continuar para o nosso enriquecimento». Entre os vários encontros em que participou, destaca um sobre alergias, patologia que afeta a sua filha. «Fui muito bem informada», assevera, tendo transmitido o que aprendera à filha. Os participantes partilham o que aprendem com «familiares, amigos ou vizinhos», revela Clara Saramago, multiplicando o impacto do projeto.
Com mais de trinta sessões realizadas, o balanço é mais do que positivo. «Há uma cumplicidade que nos permite captar a atenção», descreve Dulce Fonseca, sobre as centenas de participantes que Trazer + Saúde ao Vale já contabiliza, provando que a literacia é essencial para a prevenção em saúde, comunidades mais saudáveis e informadas.